A Nova Lei Seca
O Estado de S.Paulo
Ninguém contesta a necessidade de coibir o abuso do
álcool por motoristas, que é responsável por boa parte dos acidentes de
trânsito que deixam mais de 40 mil mortos por ano e transformaram as
ruas e estradas do País em cenário de uma guerra inglória. Mas as
tentativas, no plano legal, de resolver o problema não têm sido muito
felizes. Os problemas que tornavam a antiga Lei Seca (Lei Federal n.º
11.705/08) de difícil aplicação foram substituídos por outros, criados
pela nova lei que a presidente Dilma Rousseff sancionou imediatamente
após sua aprovação pelo Congresso.
A lei anterior - que estabelecia duras sanções para quem fosse
flagrado dirigindo com concentração de álcool superior a 0,6 grama por
litro de sangue - criou grandes expectativas, tão logo entrou em vigor
em junho de 2008. As blitze da polícia, principalmente nas grandes
cidades, mereceram destaque dos meios de comunicação e produziram bons
resultados. Nos primeiros meses, caiu 20% o movimento nos serviços de
atendimento a vítimas de acidentes de trânsito nas principais capitais.
Esses progressos não duraram muito. A fiscalização afrouxou, mas,
mesmo que tivesse continuado rigorosa, não conseguiria levar os
motoristas que habitualmente abusam do álcool a ser mais prudentes. Logo
eles se deram conta de que podiam recusar o teste do bafômetro,
fundamental para comprovar se a presença de álcool no sangue superava ou
não os limites fixados pela lei. Exerciam assim o direito
constitucional de não produzir provas contra si. E como só o teste do
bafômetro e o exame de sangue podiam ser aceitos como prova de
embriaguez para a abertura de ação penal, de acordo com decisão tomada
pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no primeiro trimestre de 2012, a
lei perdeu força.
Foi para resolver esse problema que o Congresso aprovou uma nova lei.
Mas, parafraseando o velho ditado, há fortes indícios de que a emenda
não vai melhorar muito o soneto, porque, na ânsia de resolver um
problema, os parlamentares podem ter criado outros, e não dos menores.
Agora, além do teste do bafômetro, servirão como prova exame clínico,
perícia, vídeo ou testemunhos. No caso do exame clínico e da perícia, a
grande dificuldade apontada pelo presidente da Associação Brasileira de
Medicina de Tráfego, Dirceu Rodrigues Alves Júnior, é que "o País tem 32
milhões de motoristas que fazem uso de bebida. Um médico pode atestar
se a pessoa bebeu ou se, por exemplo, está sob efeito de medicamento.
Mas há poucos médicos e peritos. O que deve acontecer é que as blitze
vão continuar sendo pontuais".
Muito pior do que isso é a importância decisiva dada às provas
testemunhais. Iniciar ações penais com base nelas é uma temeridade. É
muito fácil pessoas que presenciam acidentes - sejam policiais ou
simples passantes - se enganarem, pela dificuldade de observar e formar
um juízo sereno numa situação de grande tensão. Acidentes em geral
provocam revolta, que gera sentimento de vingança. Como esperar que,
pela simples observação visual, nessas condições, elas possam determinar
se a pessoa envolvida num acidente consumiu bebida alcoólica além do
limite legal, que a nova lei manteve inalterado - concentração superior a
0,6 grama por litro de sangue?
Isto é algo que beira a irresponsabilidade, porque o risco de que se
cometam graves injustiças com esse tipo de prova, de fragilidade
evidente, é grande. Tendo em vista o risco da avaliação subjetiva da
prova testemunhal, é mesmo possível, como já se prevê, que muitos
motoristas passem a aceitar o teste do bafômetro.
Se a nova lei tivesse ficado apenas no aumento do valor da multa,
teria sido - se não o ideal, porque ele foi muito grande - pelo menos
mais sensato. A multa dobrou, passando de R$ 957,70 para R$ 1.915,40. Em
caso de reincidência, ela vai para R$ 3.830,80. Este é sem dúvida um
forte elemento dissuasório.
A nova Lei Seca, como se vê, já começa cercada de dúvidas e
controvérsias. É uma pena. Só resta esperar agora que a prática da sua
aplicação deixe evidente para os legisladores a necessidade de ajustes.
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